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"Não é nada humilde insistir em ser quem não somos.". (Thomas Merton)"»♥«

«Quaisquer que sejam teus sofrimentos, a vitória sobre eles está no silêncio.»(Abade Pastor) »♥«

sexta-feira, setembro 14

Tudo sobre a Oração

A oração — l


Do que precede, conclui-se que a oração é o primeiro e, sem comparação, o meio mais importante que devemos empregar no combate. Aprende a orar, e vencerás todas as Potências do mal que possam, algum dia, te assaltar. A oração é uma das asas que nos erguem para o céu; a outra é a fé. Com uma asa só, não se pode voar: a fé sem a oração é tão vã quanto a oração sem a fé. Mas, se tua fé é frágil demais, é bom clamar: "Senhor, dai-me a fé!" É muito raro essa oração não ser atendida. O grão de mostarda, como disse o Senhor, torna-se uma grande árvore. Quem quer receber sol e ar, abre as janelas. Seria ridículo ficar por trás das cortinas fechadas e queixar-se: "Não há luz; não há nem um pouco de ar!" Essa imagem mostra o papel da oração: o poder de Deus e a sua graça estão sempre e em toda parte ao alcance de cada um de nós; porém, só podemos receber a nossa parte se a desejamos e se agimos conforme esse desejo. Sem a oração, não esperes encontrar o que procuras A oração é o início e o fundamento de todo esforço para Deus. É ela que faz brilhar o primeiro raio de luz, que te faz sentir antecipadamente o gosto do que procuras, e que desperta o desejo de progredir. A oração é, segundo São João Clímaco, o fundamento do mundo. Um outro santo comparou o universo a um globo, que deve a sua estabilidade à Igreja que ali está implantada; mas a própria Igreja é sustentada pela oração. A oração é uma troca e um encontro entre a humanidade e Deus. É a ponte pela qual o homem passa para além do seu "eu" carnal e de suas tentações; e acede ao verdadeiro "eu" espiritual e à liberdade. Ela é a muralha contra todas as desordens, a arma contra a dúvida; acaba com a tristeza e contém a ira. A oração é um alimento para a alma e uma luz para o espírito; consegue para nos, já neste mundo, uma parte da alegria que virá. Para aquele que ora verdadeiramente, a oração é a sentença, o tribunal, o trono de Juiz; antecipa o julgamento final para agora, para o momento presente, no fundo do coração. A oração e a vigilância são a mesma e única coisa, pois é em companhia da oração que deves ficar à porta do teu
coração. Olhos bem abertos percebem imediatamente a menor modificação que se produza em seu campo de visão; assim acontece com o coração que ora sem cessar.
Na aranha se encontra outro exemplo: ela fica no meio da teia, ouve a menor mosca que venha prender-se nela, e mata-a. Assim também, a oração deve ficar, como sentinela, no meio do teu coração: ao menor estremecimento que revele a presença de um inimigo, ela o mata. Abandonar a oração, é desertar do posto quando se está de guarda. A porta fica, então, aberta às hordas devastadoras, e os tesouros que se acumularam são entregues à pilhagem. Os ladrões não precisam de muito tempo para fazer o seu trabalho: a ira, por exemplo, pode destruir tudo num instante.

A oração — II


O que precede esclarece que, quando os Padres falam de oração, não estão se referindo a orações ocasionais, nem às orações da manhã e da noite, nem das que se fazem antes das refeições; para eles, oração é sinônimo de oração perpétua; de vida de oração. Tomaram ao pé da letra a ordem "... orai sem cessar" (1Ts 5:17). Compreendida desse modo, a oração é a ciência das ciências e a arte das artes. O artista trabalha com argila, tintas, palavras ou sons; na proporção de seu talento, ele lhes confere harmonia e beleza. A matéria com a qual o homem de oração trabalha, é viva, é a própria natureza humana. Por meio da oração, ele a modela, dando-lhe harmonia e beleza. É ele o seu primeiro beneficiário, mas, por seu intermédio, essa transfiguração se estende a muitos outros. O cientista estuda as coisas criadas e as aparências; o homem de oração se eleva até o Criador de todas as coisas. Ele se interessa, não pelo calor, mas pelo Princípio do calor; não pelas funções vitais, mas pela Origem da vida; não pelo seu próprio "eu," mas por Aquele que lhe dá a consciência do seu "eu," pelo seu Criador. O artista e o cientista devem fazer muitos sacrifícios e muitos esforços para chegar à maturidade da sua arte ou de seu saber, e jamais atingem toda a perfeição que ambicionam. Se esperassem sempre a inspiração para se porem a trabalhar, nunca poderiam aprender nem mesmo os rudimentos de sua profissão. É necessária ao violinista uma prática perseverante, para se iniciar nos segredos de seu instrumento tão delicado. Façamos a mesma coisa; quanto mais delicado ainda é o coração humano! "Chegai-vos para Deus e ele se chegará para vós" (Tg 4:8). Cabe a nós, pôr mãos à obra. Se dermos um passo para ele, dará dez para nós — ele que, avistando o filho pródigo, que vinha ainda longe, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos (cf. Lc 15:20). É preciso, pois, que te decidas, uma vez por todas, a dar os primeiros passos, ainda inseguros, para Deus, se realmente queres aproximar-te dele. Que não te perturbe a falta de jeito, no início do caminho da oração. Não cedas ao respeito humano, à indecisão, aos risos zombeteiros dos demônios que tentam convencer-te de que teu comportamento é ridículo, de que teu disígnio é uma bobagem que não passa de fruto da tua imaginação. Não há nada que o Inimigo tema tanto quanto a oração. Na criança, o desejo de ler aumenta à medida que ela progride no aprendizado da leitura; quando aprendemos uma língua estrangeira, é tanto maior o prazer que sentimos falando-a, quanto melhor a dominamos. O prazer aumenta com o progresso. O progresso vem pela prática. A prática se torna mais fácil com o progresso. O mesmo se pode dizer da oração. Não esperes, pois, nenhuma inspiração extraordinária, para pôr mãos à obra. O homem foi criado para orar, como o foi para falar e para pensar. Mas ele foi mais especialmente criado para orar, pois "Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar" (Gn 2:15). E onde encontrarás o jardim de Éden, a não ser em teu coração? Como Adão, deves chorar sobre o Éden perdido pela tua intemperança. Estás vestido de folhas de figueira e com uma túnica de pele (cf. Gn 3:21), que são a tua condição mortal, com suas paixões. Entre ti e a estreita entrada do atalho que leva à árvore da vida, interpõem-se as tenebrosas chamas dos desejos terrenos; e somente aos que venceram esses desejos é concedido "comer do fruto da árvore que está no paraíso de Deus" (Ap 2:7). Adão infringiu só um mandamento de Deus, e tu, como diz Santo André de Creta, tu os transgrides todos, cada dia e a cada momento. Das profundezas de teu estado de pecado, e de teu endurecimento, tua oração deve elevar-se para ganhar as alturas. Muitas vezes, um criminoso endurecido não tem consciência de sua culpa; é próprio do endurecimento. É esse o teu caso. Mas, que não te assuste o endurecimento do teu coração: a oração o abrandará, pouco a pouco.

A oração — III


Quando decidimos começar regularmente a oração da manhã, nós o fazemos, em geral, não porque já tenhamos uma certa facilidade natural para orar, mas sim com a finalidade de conseguir alguma coisa que ainda não possuímos. Ora, quem possui uma coisa, corre o risco de se preocupar, com medo de perdê-la; e quem não a possui ainda, fica ansioso por consegui-la. Por isso, deves começar a praticar a oração, sem nada esperar de ti mesmo, sem procurar "chegar a alguma coisa." Se tens a possibilidade de um quarto só teu, podes seguir ao pé da letra, e tranqüilamente, as indicações do Manual de Orações: "Quando acordas, antes de começar o dia, coloca-te respeitosamente diante de Deus, que tudo vê. Faz o sinal da cruz e diz: Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém."
"Depois de ter invocado assim a Santíssima Trindade, fica em silêncio por alguns instantes, para que teus pensamentos e teus sentimentos se libertem das preocupações deste mundo. Em seguida, recita, sem pressa e de todo coração: Ó Deus, tende piedade de mim, pecador." Vêm depois as outras orações, começando pela do Espírito Santo, da Santíssima Trindade, e o Pai Nosso, que precedem o conjunto das orações da manhã. É melhor ler apenas algumas, tranqüilamente, do que lê-las todas, com pressa.
Essas orações são fruto da experiência que a Igreja acumulou ao longo dos séculos. Através delas, entras na vasta comunhão do Povo de Deus em oração. Não estás sozinho; és uma célula no Corpo da Igreja, que é o Corpo de Cristo. Pela recitação dessas fórmulas, aprenderás também a constância e a paciência, necessárias, não apenas para o corpo, mas também para o coração e o espírito, para que se fortaleça a tua fé. A verdadeira oração é aquela em que o espírito e o coração se põem em uníssono com as palavras; a atenção é, pois, indispensável. Não deixes que teus pensamentos fiquem vagando; recolhe-os continuamente e, cada vez que te deixas levar para longe de tua oração, volta ao ponto em que a deixaste Poderás recitar o saltério da mesma forma. Aprenderás assim a praticar a perseverança e a vigilância na oração. Quem fica diante de uma janela aberta, ouve os ruídos de fora; não pode ser de outra forma. Mas, ele pode, ou não, prestar atenção às palavras que chegam até ele; isso depende da sua vontade. O homem em oração é constantemente solicitado por um fluxo de pensamentos forasteiros, de sentimentos e de impressões. Conter o fastidioso desenrolar desse filme interior, é tão impossível quanto impedir o ar de circular num cômodo cuja janela esteja aberta. Mas depende de cada um prestar atenção nisso, ou deixar de prestar. Dizem os santos ser esse um aprendizado que só se faz pela prática. Quando oras, teu "eu" deve calar-se. Não ores para que se realizem os teus desejos terrenos; mas dizes: "Que seja feita a tua vontade" Não te sirvas de Deus como de um mandatário. Fica calado, e deixa a oração falar.
Segundo São Basílio, tua oração deve conter quatro elementos: adoração, ação de graças, confissão dos pecados e pedido de salvação. Não te preocupes com teus próprios interesses e não ponhas a oração a seu serviço; mas, "busca em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas te serão acrescentadas" (Mt 6: 33). Aquele que procura fazer a própria vontade, e cuja oração não coincide, pois, com a vontade de Deus, encontrará muitos obstáculos no caminho, e cairá incessantemente nas emboscadas do Inimigo. Ficará descontente, irascível, infeliz, hesitante, impaciente ou inquieto; e quando o espírito se encontra nesse estado, ninguém pode permanecer em oração. A oração daquele que tem alguma queixa contra seu próximo é impura. Só podemos e devemos dirigir censuras a uma única pessoa: a nós mesmos. Sem a auto-acusação, a oração será tão vã quanto se, dentro de nosso coração, censurássemos outra pessoa. Não te preocupes por sentires sequidão em ti. A chuva vivificante vem do alto, e não de teu solo ingrato, incapaz de produzir mais do que sarças e espinhos. Aliás, não esperes "estados de oração" extraordinários, êxtases, enlevos ou outras experiências em que encontrarias tua própria satisfação. Não se ora para procurar prazer. "Entristecei-vos, cobri-vos de luto e chorai (...) Humilhai-vos diante do Senhor e ele vos exaltará" (Tg 4:9-10). Pensa no que és e suplica ao Senhor que tenha piedade de ti. O resto depende dele.

A oração — IV


A oração não deve cessar quando terminamos as orações da manhã. Trata-se agora de manter presente a oração ao longo do dia, apesar da diversidade e da complexidade de nossas ocupações cotidianas. O bispo Teófano, o Recluso, aconselha aos principiantes que escolham um versículo curto do saltério, apropriado às suas necessidades; por exemplo, "Senhor, apressa-te em socorrer-me," ou "Criai em mim um coração puro" ou "Bendito és tu, Senhor," etc. O saltério oferece uma grande quantidade dessas orações mais ou menos curtas. Durante todo o dia, podemos guardar no espírito essa oração, e repeti-la com a maior freqüência possível, seja mentalmente, seja em voz baixa ou, melhor ainda, em voz alta, se estivermos sozinhos e se ninguém nos ouvir. No ônibus ou no elevador, no trabalho ou à mesa, tanto quanto possível, retoma-se a oração e fixa-se a atenção no conteúdo das palavras. Assim passa o dia, até a noite, quando se arruma um momento de tranqüilidade para ler a oração da noite no Manual de Orações, antes de deitar. E essas orações curtas também servem para os que não gozam de isolamento suficiente para recitar as orações ordinárias da manhã e da noite. De fato, elas nos podem acompanhar sempre e por toda parte. Em casos assim, a solidão interior supre a ausência de solidão exterior.
A repetição freqüente é importante. É por repetidas batidas de asas que o pássaro se eleva acima das nuvens; o nadador tem de reproduzir inúmeras vezes o mesmo movimento, para chegar ao objetivo desejado. Mas, se o pássaro pára de voar, deverá contentar-se em permanecer nos nevoeiros da terra; e o nadador que pára, corre o risco de perecer no abismo ameaçador que o espreita.
Faz, assim, a tua oração, hora após hora, dia após dia, perpetuamente. Mas ora com simplicidade, sem ênfase, sem complicações, sem fazeres a ti mesmo todo tipo de perguntas: "Não vos preocupeis com o dia de amanhã" (Mt 6:34). Quando chegar o momento, a resposta te será dada.
Abraão partiu sem perguntar: "Como é a terra que me vais mostrar? O que me espera lá?" Simplesmente "... partiu, como lhe disse Iahweh" (Gn 12:4). Faz como ele. Abraão tomou todos os bens que tinha reunido (ibid. 5). Imita-o também nisso; leva contigo, na viagem, todo o teu ser; não deixes para trás nada que possa reter uma parte da tua afeição, na terra que deixaste.
Noé levou cem anos para construir a arca, peça por peça. Faz a mesma coisa; constrói peça por peça, com toda a paciência, em silêncio, dia após dia, e não te preocupes com os que te cercam. Lembra-te: Noé, no seu tempo, estava sozinho no mundo e "... andava com Deus" (Gn 6:9), isto é, na oração. Pensa também na dificuldade, na escuridão, no mau cheiro em que ele deve ter vivido no interior da arca, antes de poder sair para o ar livre e erguer um altar ao Senhor. O ar puro e o altar, tu os descobrirás em ti, diz São João Crisóstomo, mas só, quando concordares em passar pela mesma porta estreita por que passou Noé. Também como Noé, faz "tudo o que Deus te ordenou" (Gn 6:22), e constrói "com orações e súplicas" (Ef 6:18) o barco que possibilitará que passes do teu "eu" carnal e dos teus interesses, múltiplos e egoístas, para a plenitude do Espírito. Quando o Único vem ao nosso coração, diz são Basílio, o Grande, a multiplicidade desaparece. Teus dias passam, então, numa grande sensação de plenitude, sob a proteção daquele que tem a plenitude do universo em suas mãos.

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