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"Não é nada humilde insistir em ser quem não somos.". (Thomas Merton)"»♥«

«Quaisquer que sejam teus sofrimentos, a vitória sobre eles está no silêncio.»(Abade Pastor) »♥«

sexta-feira, setembro 14

Os pecados dos outros e os nossos

Agora tomaste consciência da tua miséria, da tua pobreza, da tua propensão para o mal; por isso clamas ao Senhor, como o publicano: "... Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!" (Lc 18:13). E acrescentas: "Sou mesmo bem pior que o publicano, pois não consigo deixar de olhar o fariseu com desprezo; meu coração se enche de orgulho e diz: ‘Eu vos dou graças, porque não sou como ele!' " Mas — dizem os santos — quando verificares as trevas do teu coração e a fraqueza da tua carne, perderás toda a vontade de julgar o teu irmão. Para além da tua própria escuridão, verás então brilhar a luz celeste em todas as criaturas, que resplandecem com o seu reflexo; pois, não poderás mais notar os pecados dos outros, uma vez que os teus são tão grandes. Com efeito, quando procurares com ardor a perfeição, é que vais começar a descobrir a tua imperfeição. Somente quando tiveres visto o quanto és imperfeito, é que a perfeição te será acessível. Portanto, a perfeição sai da fraqueza. Só então conseguirás o que santo Isaac, o Sírio, prometeu aos que se perseguem a si mesmos: "E teu inimigo fugirá, só porque te aproximas." De que inimigo o santo fala aqui? Evidentemente, daquele que tomou, um dia, a forma de serpente e que, desde então, excita em nós o descontentamento, a insatisfação, a impaciência, a precipitação, a ira, a inveja, o medo, a ansiedade, o ódio, o abatimento, a indolência, a tristeza, a dúvida, e tudo o que envenena a nossa existência e se enraíza em nosso amor próprio e em nossa auto piedade. Como poderá, pois, querer que os outros lhe obedeçam, aquele que verifica, com o sofrimento profundo inspirado pelo amor, que ele jamais obedece a seu Mestre? Como, então, poderá ele perturbar-se, impacientar-se, irar-se, se as coisas não se passam de acordo com seus desejos? Esse homem acostumou-se, por uma longa prática, a não desejar mais nada, e — como explica o abade Doroteu — a quem já não tem desejos tudo acontece segundo os próprios desejos. Sua vontade ajustou-se, exatamente, à de Deus, e ele obtém tudo o que pede (cf. Mc 11:24). Poderá sentir inveja aquele que, bem longe de querer elevar-se, está consciente de suas próprias deficiências, e pensa que os outros, mais do que ele, merecem estima e consideração? Poderá sentir medo, angústia ou ansiedade, quem, como o ladrão crucificado, vê em tudo o que lhe acontece apenas o justo salário de seus atos (cf. Lc 23:41)? A negligência o abandona, porque ele descobre em si mesmo os seus menores traços e persegue-a sem cessar. O abatimento desaparece; pois, como poderá ser derrubado, quem se mantém constantemente prostrado em espírito? Doravante, seu ódio se voltará, inteiro, para o mal que está nele, e que o impede de ver claramente o Senhor; ele odeia a sua própria vida (cf. Lc 14:26). Esse homem não é mais atingido pela dúvida, pois experimentou e viu quanto o Senhor é bom (cf. Sl 34:8); só o Senhor o sustenta. Seu amor se dilata sem cessar e, com ele, a fé. Ele colhe o fruto da humildade. Mas tudo isso só se encontra no caminho estreito, e são poucos os que o encontram (cf. Mt 7:14).

O combate interior é apenas um meio a serviço de um fim


Ao te desfazeres das cadeias exteriores, tu te livras igualmente dos laços interiores. Quando te libertas das preocupações de fora, teu coração também fica livre dos sofrimentos de dentro. Por conseguinte, o rude combate, que és obrigado a travar, não passa de um meio: como tal, não é nem bom, nem mau; os santos o têm muitas
vezes comparado a um tratamento médico. Embora seja muito penoso sujeitar-se a ele, não deixa de ser um simples meio de recobrar a saúde.
Lembra-te sempre de que não realizas nada de virtuoso, esforçando-te para te dominares. De fato, que virtude há em tomar pá e picareta para tentar sair de uma galeria subterrânea, onde se tenha caído por falta de atenção? Não é natural, pois, utilizar as ferramentas entregues por alguém de fora, para escapar dessa atmosfera sufocante e tenebrosa? O contrário não seria pura estupidez? Essa parábola te pode ensinar a sabedoria. As ferramentas são os instrumentos da salvação, os mandamentos do Evangelho, os santos sacramentos da Igreja, que foram postos à disposição de cada cristão por ocasião do santo batismo. Sem uso, não terão nenhum proveito. Porém, utilizados com discernimento, permitirão que abras o caminho para a liberdade e para a luz. "... é preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus" (At 14:22). Devemos, como o homem preso no subterrâneo, renunciar a descansar, a dormir, a aproveitar os prazeres da vida; como ele, devemos permanecer alertas e utilizar, da melhor forma, todos os instantes que os outros homens passam dormindo, ou ocupados com ninharias. Não devemos largar a pá e a picareta, que representam a oração, o jejum, as vigílias, e todas as outras atividades pelas quais pomos em prática tudo quanto o Senhor nos ordenou (cf. Mt 28:20). E, se nosso coração encontra dificuldade em aceitar tal disciplina, devemos empregar toda a força de vontade para obrigá-lo a se sujeitar, se quisermos realizar nosso propósito. Que recompensa terá nosso prisioneiro? Pode-se dizer que terá alguma recompensa? A recompensa será o seu próprio labor; ela consiste no amor que ele sente em si mesmo pela liberdade, na esperança e na fé que o fizeram tomar nas mãos as ferramentas. À medida que ele trabalha, aumentam a esperança, o amor e a fé: quanto mais ativo for e menos esforço desperdiçar, mais aumenta a sua recompensa. Ele se considera um prisioneiro entre outros prisioneiros; a seus próprios olhos, ele não se separa de seus companheiros: é um pecador entre os pecadores, nas entranhas da terra. Porém, enquanto os outros, resignados e sem esperança, dormem ou jogam baralho para passar o tempo, ele avança e trabalha. Encontrou um tesouro, mas escondeu-o de novo (cf. Mt 13:44); ele leva, escondido dentro de si, o Reino de Deus, isto é, o amor, a fé, a esperança de chegar um dia ao ar livre, fora. No momento, sem dúvida, ele só entrevê a liberdade como num espelho (cf. lCor 13:12), mas em esperança já está livre: "Pois fomos salvos em esperança" (Rm 8:24). No entanto, o Apóstolo acrescenta: "e ver o que se espera, não é esperar," para compreendermos melhor o alcance do que precede. Com efeito, quando o prisioneiro obtém a liberdade e a vê face a face, não é mais um prisioneiro entre os outros, sobre a terra. Ele se encontra, então, no mundo da liberdade, daquela liberdade na qual Adão fora criado, e que nos foi restituída no Cristo. Como o prisioneiro, já somos livres em esperança; mas a realização de nossa salvação situa-se para além de nossa vida terrena. Só então poderemos dizer definitivamente: "Estou salvo!" De fato, o mandamento de ser perfeito como nosso Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5:48), não pode ser plenamente cumprido no homem enquanto permanece neste mundo. Logo, por que nos foi dado? Os santos respondem: Para que possamos começar desde já o nosso trabalho, mas tendo diante dos olhos a eternidade.
A liberdade é o objetivo do homem; porém, ele não a pode dar a si mesmo, nem recebê-la do seu próximo; ele só a obterá em Deus, diz o bispo São Teófano. Na verdade, o convite à liberdade toma esta forma: "Arrependei-vos!" E o Senhor nos dirige este chamado: "Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso" (Mt 11:28). De que cansaço se trata? Daquele que se sofre para assegurar a própria felicidade temporal? E qual é esse fardo? O dos cuidados e preocupações terrenas? De modo nenhum, respondem os santos. Por isso o Senhor diz ainda: "Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim — de mim, que jamais pensei em meu bem-estar temporal, nem levei o peso dos cuidados deste mundo, durante a minha vida na terra." Mas, o que obterão os que sofrem por sua salvação e que se cansam sob o peso da oposição do mundo, interior e exteriormente ao mesmo tempo? Qual será a parte atribuída aos que tomam sobre si mesmos o jugo do Cristo, que vivem como ele viveu, e que aprendem, não dos homens, nem dos anjos, nem dos livros, mas do Senhor mesmo? Que são instruídos por sua própria vida, pela luz e pela ação, no fundo de si? Que podem dizer, também eles: sou doce e humilde de coração, não me tenho em alta conta, nem ao que posso dizer ou fazer? Todos estes encontrarão o repouso para sua alma. Irão recebê-lo do próprio Senhor. Ficarão livres das tentações, dos sofrimentos, das humilhações, do desânimo, da ansiedade, e de tudo o que perturba o coração do homem. Essa é a interpretação de São João Clímaco (Escada, Degrau 25,4). Ao apresentá-la, ele fala de cristão para cristão. Pois a um coração recriado pela graça, a experiência revela, cada dia mais, que o jugo do Cristo é leve para os que o amam. Mas "... aquele que perseverar até o fim, esse será salvo" (Mt 10:22), e não os desanimados e negligentes. A promessa do Senhor não é para eles. Portanto, não devemos jamais nos cansar. Sejamos firmes, inabaláveis, fazendo incessantes progressos na obrado Senhor, cientes de que a nossa fadiga não é vã no Senhor (lCor 15:58). Uma vez que começamos, não deixemos nunca de realizar as obras de uma sincera conversão. Parar seria recuar.

A obediência


A obediência é outro instrumento indispensável, na luta contra a própria vontade. Segundo são João Clímaco, a obediência é a condenação à morte dos membros do nosso corpo, em benefício da vida do espírito. Ela é ainda a sepultura da vontade própria, e a ressurreição da humildade (Escada, Degrau 3:3).
Lembra-te de que, livremente, te deste ao Senhor como escravo; a cruz que levas no pescoço te deve recordar isso. É através dessa escravidão, que chegarás à verdadeira liberdade. Mas, pode um escravo ter vontade própria? Ele deve aprender a obedecer. Talvez perguntes: A quem devo obedecer? Os santos respondem: obedece aos teus dirigentes (cf. Hb 13:17). Mas continuas: Quem são os meus dirigentes? Onde encontrarei um, quando é hoje tão difícil descobrir um dirigente autêntico? A isso, respondem os santos Padres: a Igreja o providenciou. Desde o tempo dos apóstolos, ela nos deu um mestre que supera a todos os outros, e que nos pode alcançar em toda parte, onde quer que estejamos, e em qualquer circunstância. Quer moremos na cidade ou no campo, quer sejamos casados ou solteiros, pobres ou ricos, esse mestre está sempre conosco, e sempre temos ocasião de obedecer-lhe. Queres conhecer o seu nome? É o santo jejum. Deus não precisa do nosso jejum. Nem tem necessidade da nossa oração. Ele é perfeito, nada lhe falta, e não pode precisar de coisa alguma que nós, suas criaturas, possamos oferecer-lhe. Nada temos para lhe dar; mas, diz São João Crisóstomo, ele aceita que lhe apresentemos as nossas ofertas, para nossa própria salvação. A maior oferenda que poderemos apresentar ao Senhor, somos nós mesmos; e, só o poderemos fazer,
abandonando a ele nossa vontade. Aprendemos isso pela obediência; e aprendemos a obedecer pela prática. A melhor maneira de praticar a obediência é a que a Igreja nos fornece ao prescrever dias e períodos de jejum. Ela nos diz, então, de certo modo, como Deus a Adão: "... Podes comer de todas as árvores do jardim; mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, não comerás" (Ge 2:16, 3:3). Além do jejum, temos outros mestres a quem devemos obedecer. Nós os encontramos a cada passo, nas pequenas coisas de nossa vida cotidiana: basta sabermos reconhecer a sua voz. Tua mulher diz que deves levar a capa impermeável; faz o que ela deseja, e estarás praticando a obediência. Um dos teus colegas de trabalho te pede que vás com ele até um ponto do caminho; acompanha-o, e estarás praticando a obediência. Sentes que uma criança precisa que se ocupem dela e que lhe façam companhia: faze o que podes, e estarás praticando a obediência. Um noviço, no mosteiro, não terá mais ocasiões que tu, na tua casa, de praticar a obediência. E outro tanto encontrarás no trabalho e nas relações com teus vizinhos. A obediência derruba muitas barreiras. Conseguirás a liberdade e a paz, à medida que teu coração praticar a não-resistência. Mostra-te obediente, e cercas de espinhos abrir-se-ão diante de ti. Então, o amor terá lugar para se dilatar. Por meio da obediência, aniquilarás o orgulho, o espírito de contradição, a pretensa sabedoria e a teimosia, que te aprisionam numa grossa carapaça. Enquanto estiveres aninhado nela, não poderás encontrar o Deus de amor e de liberdade. Habitua-te, pois, a alegrar-te, quando se te apresenta uma ocasião de obedecer. É absolutamente inútil procurarcriá-la; poderias cair, então, num servilismo artificial, e desviar-te, deleitando-te na tua própria virtude. Não tenhas dúvida de que encontrarás tantas ocasiões de obedecer quantas forem necessárias; e serão exatamente aquelas de que precisas. Se notares que deixaste escapar uma ocasião, censura-te por essa negligência. Agiste como um marinheiro que não aproveitaste um vento favorável.

Progresso e profundidade


Depois das noções elementares e ainda exteriores que precedem, chegamos agora ao combate que se trava nas profundezas de nosso ser. Quando se descasca uma cebola, retiram-se, uma após outra, as peles que a recobrem; finalmente se chega ao coração do bulbo, de onde sai o talo para a luz. Quando chegares ao teu quarto interior, é que perceberás a morada celeste, pois elas são uma única coisa, segundo Santo Isaac, o Sírio. Quando te esforçares por penetrar no teu quarto interior, ali perceberás, além do teu rosto verdadeiro, aquilo que Santo Hesíquio chama de face escura dos etíopes, isto é, os pensamentos maus. São Macário do Egito compara-os a uma serpente escondida em teu coração, e que feriu os órgãos mais vitais da tua alma. Se mataste essa serpente, diz ele, podes orgulhar-te de tua generosidade diante de Deus. Porém, se não a mataste, prostra-te com humildade, como um pobre pecador, e ora a Deus, pois o inimigo está sempre oculto, à espreita. Mas, como poderíamos começar a luta, uma vez que nem mesmo penetramos em nosso coração? Ficamos à porta; mas é preciso bater, com o jejum e a oração, como nos recomendou o Senhor: "... batei e vos será aberto" (Mt 7:7). Bater é agir. Se permanecermos firmes na palavra do Senhor, na pobreza, na humildade, e em tudo o que nos prescreve o Evangelho; se dia e noite batermos à porta de Deus, então, poderemos obter o que procuramos. Quem quer sair do cativeiro e das trevas, deve entrar na liberdade por essa porta. Ali, diz São Macário, receberá a liberdade espiritual, e poderá alcançar o Cristo, Rei celestial.

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